sábado, 19 de fevereiro de 2011

Merhaba (falta de imaginação para melhor)

[Vou começar por pedir desculpa pelo tamanho deste post. Sei que vai contra todas as regras de escrita para a Internet mas quero responder a todas as perguntas, concretas e possíveis, e dar uma ideia o mais fiel possível da minha vida em Antep.]


É a minha terceira manhã em Gaziantep e estou estendida no sofá azul da minha nova e espaçosa sala a tentar assimilar a experiência dos últimos dias. Duas das minhas colegas de casa, a Ágata e a Elisabeth (belga) ainda estão a dormir -e a terceira, a Tuğba [lê-se Tuba – o “ğ” serve para alongar a vogal] (germano-turca) foi passar uns dias com familiares que vivem cá.

Mesmo sendo a única acordada, a casa não está silenciosa. Estamos em frente a uma das avenidas principais de Gaziantep e, atravessando a avenida através de uma passagem para peões, chegamos ao Sanko Park, “o maior centro comercial do Médio Oriente” como nos foi anunciado (apesar de também nos ter sido dito que o parque ao lado de nossa casa é o maior da Turquia e o 6º maior do mundo). O Sanko é ladeado por um parque de estacionamento improvisado, de terra batida, e logo ao lado há um hospital. À volta são prédios e mais prédios, com cilindros e painéis solares nos telhados., e minaretes Não é propriamente uma cidade bonita, mas tem os seus encantos.

O apartamento é muito espaçoso. Quando chegámos cá à1h30 da manhã de quarta-feira, acompanhadas pelo nosso “mentor” Fatih e pelo Alper, a primeira coisa em que reparei foi nos pares de sapatos à porta dos apartamentos no prédio. Chegadas ao 6º e último andar, deixámos os sapatos na entrada para conhecermos a nossa nova casa. A sala, à esquerda, tem janelas em todas as paredes exteriores e é rodeada, em parte, por uma estreita varanda. Para além de um comprido sofá azul onde devem caber cerca de 8 pessoas, a mesa de jantar e os grandes tapetes em tons de castanho, desde que chegámos já recebemos mais alguns móveis para compor a decoração: um armário alto de madeira com uma porta de vidro, e uma cómoda do mesmo material, que, para já, serve para segurar o grande espelho que o Fatih insiste em dizer que é indispensável numa casa de raparigas (casa esta onde não podem entrar rapazes: regras do prédio).

A cozinha, em frente, também é espaçosa. Ainda não tínhamos frigorífico no primeiro dia, o que já foi corrigido. Por todo o lado, tal como nas casas de banho, há “inacabamentos”: torneiras inúteis e buracos inexplicáveis. Uso o plural porque temos dois tipos de casa de banho: a turca e a “normal”. Andando pelo longo corredor coberto por tapetes, à direita, encontramos a casa de banho turca, com o lavatório numa divisão separada. A porta seguinte é a da casa de banho “normal”, toda cor-de-rosa, cheia de outros “inacabamentos”, com alguns problemas técnicos (como o facto da porta não fechar por causa de um fio eléctrico que passa por lá) e alguma sujidade crónica, que eu e a Ágata tentámos, em vão, eliminar com grandes quantidades de Cif e persistência. Mas tem a sua piada.

[São 11h55 e escrevo agora ao som do chamamento à oração ecoado pelos altifalantes das muitas mesquitas espalhadas por toda a cidade. Não tive ainda a experiência de acordar de madrugada por causa disto, como tanta gente me tinha avisado que ia acontecer, mas até gostava porque é uma melodia hipnotizante e solene.]

Para além dos dois quartos single da Elisabeth (ao fundo do corredor) e da Tuğba (no fundo à esquerda) a meio do corredor, também à esquerda, há duas portas que dão para o meu quarto, que partilho com a Ágata, e que me parece que, em tempos, era dividido em dois. É um quarto grande e, como toda a casa, espaçoso. Com duas camas de solteiro, simples, encostadas às paredes dos lados opostos, atrás de cada cama, um armário do mesmo género e debaixo das duas grandes janelas que cobrem as paredes exteriores, encostadas aos aquecedores de parede, duas secretárias. No chão, como não poderia deixar de ser, dois grandes tapetes com padrões em tons de roxo, que chocam bastante com a roupa de cama em tons vivos de laranja e amarelo, e composta por um tecido artificial e um bocado áspero. É um quarto agradável, tendo como única desvantagem as cortinas brancas, que deixam entrar muita luz de manhã. Mas, mesmo assim, tenho dormido profundamente.

Logo no primeiro dia acordámos às 8h00, o que significa que dormimos cerca de 5, depois de um dia inteiro de viagem (descolámos do Porto às 8h00 e aterrámos em Gaziantep à 01h00 – tendo em conta, claro, que há uma diferença de 2 horas e que tivemos a possibilidade, durante a escala em Istambul, de ir jantar perto da imponente Mesquita Azul). Duas voluntárias, a Lara (holandesa) e a Silke (alemã) ambas loiras, pele porcelana e olhos azuis, vieram-nos buscar para nos mostrar o caminho para a associação, porque as nossas colegas de casa também tinham chegado no dia anterior. Apenas descrevo a sua aparência porque, enquanto atravessávamos o parque, onde foi edificada a mesquita mais bonita de Gaziantep (das que vi até agora), elas atraíam alguns olhares curiosos.

Gaziantep não tem turismo praticamente nenhum, nem diversidade cultural ou étnica. No nosso caso, apenas chamamos a atenção quando estamos com a máquina fotográfica na mão (as pessoas, os homens principalmente, pedem para ser fotografados), mas o nosso aspecto passa despercebido. No caso da Tuğba isso é ainda mais evidente. O caminho pelo parque, que fizemos várias vezes desde então, é muito bonito, apesar de as árvores estarem quase todas despidas neste momento. Os bancos e as mesas estão cheios de homens e rapazes (ver mulheres é menos frequente) a conversar ou a descansar simplesmente, as mulheres passeiam em pares ou grupos normalmente, e/ou com os filhos, algumas com a cabeça tapada por um lenço e casacos compridos sobre saias igualmente compridas (mais frequente do que em Istambul) outras de botas de salto alto, calças justas e maquilhagem forte, e todas as variações de vestuário entre elas.

A associação fica a 15 minutos a pé, e distingue-se bem dos edifícios à sua volta. É uma casa de dois andares, pintada de verde e amarelo. Passando o portão de entrada, ainda cá fora, há uma mesinha de madeira (que já tivemos o prazer de aproveitar ontem para almoçar ao sol). Lá dentro, os 12 restantes voluntários internacionais estavam à nossa espera. Tinham preparado um pequeno almoço de boas-vindas. Sentada a uma mesa comprida, repleta de comida, desde Müsli a salada de tomate e pepino, tentei decorar os nomes de quem se ia apresentado - e foi um sem-fim de apresentações de pessoas ligadas ou não à associação a entrar e sair da sala para conhecer as novas voluntárias – enquanto lutava para me manter acordada e com o mínimo de energia para manter uma conversa simpática.

Às 10h00 estava planeada uma actividade que se iria repetir até sexta-feira: construção de modelos de aviões. Primeiro pareceu-me um bocado inútil e pouco relacionado com voluntariado, mas no último dia explicaram-nos que é um passatempo comum na Turquia. Foi também nesta altura que percebemos que nada começa a horas e que, começámos a perceber que, só por uma actividade estar programada, não significa que vai acontecer. Esta última lição ainda estou a tentar aceitar totalmente, visto que, só ontem é que desisti de insistir com o Fatih para que ele nos desse uma cópia do programa para a semana. Enquanto esperávamos para que a actividade começasse, o José, um voluntário espanhol que entretanto já foi embora, tocou um bocado de guitarra enquanto o resto cantava (passatempo que se tornou na norma para todos os tempos mortos com o José a ser substituído pelo Francesco (italiano) e pela Elisabeth). Devo dizer que, passados dois dias, já não consigo ouvir a “Knockin’ on Heaven’s Door”, ou a “La Bamba”.

O almoço, como todas as refeições até agora, era delicioso. Depois do almoço, eu e a Ágata passámos pelo detector de metais do “maior centro comercial do Médio Oriente”, para comprar champô e gel de banho, o que se tornou uma tarefa bastante demorada e difícil porque não percebíamos o que dizia nas embalagens. Foi o segundo momento em que senti que estar num sitio onde não se fala a língua faz-nos sentir muito desorientados quando não há ninguém com quem falar por linguagem gestual. O primeiro foi quando chegámos â estação de metro do aeroporto de Istambul e não conseguíamos perceber como funcionavam os bilhetes, ou “token”.

Ao final da tarde, depois de demasiado tempo passado a tratar de burocracias numa loja da Turkcell, eu, a Ágata, a Elisabeth e o Fatih fomos para uma casa de acolhimento de jovens em risco, onde os outros voluntários já estavam, jantar com os rapazes que vivem na casa. Até agora esta foi a actividade de que gostei mais desde que cheguei. Foi muito fácil comunicar com os rapazes (alguns já tinham quase a nossa idade), e eles ficavam muito entusiasmados quando sabiam que vínhamos da terra do Quaresma e do Cristiano Ronaldo. Passaram a noite a tentar que eu dissesse se era apoiante do Galatasaray ou do Beşiktas, ou, enquanto moldavam a massa para fazer biscoitos, a mostrar as obras de arte para a câmara fotográfica.

A partir daí, comemos sempre o pequeno-almoço em casa. A nossa primeira aula de turco, na quinta-feira, foi substituída por um tour pela cidade, liderado pela nossa professora Pınar e pelo macedónio Petar. Passeámos em ruas movimentadas; no meio do trânsito; visitámos os bazares da cidade (que planeio esvaziar); fomos a uma loja de tapetes/antiguidades/casa de chá cuja cave já foi uma espécie de bunker e parece uma escavação arqueológica com cadeiras e mesas para tomar chá e onde, numa sala forrada de tapetes e, obviamente, sem sapatos, bebemos um chá óptimo e uma espécie de café não tão bom; subimos ao castelo e visitámos oficinas tradicionais, sempre acompanhados por um cheiro forte, estranho e um pouco enjoativo - a Tuğba explicou que vinha dos sistemas de aquecimento das casas.

À noite tivemos uma aula de “climbing”, que consistiu em aprender a fazer dois tipos de nós de segurança e em combinar um passeio de hiking e escalada a um Canyon aqui na zona para domingo de manhã. Espero que não continue a chover.

Ontem foi o dia de acabar os aviões, e receber certificados com direito a fotografias e reportagem para um jornal local. A seguir ao almoço tivemos a primeira aula de turco com a Pınar, que tem 18 anos, e aprender a dizer os dias da semana, meses, estações, números, e conversa básica de dia-a-dia. Tivemos algum tempo livre que usei para passear no centro à procura de sapatilhas, visto que as que trouxe me causaram bolhas nos tornozelos. Não tive muito sucesso, mas deu para experimentar o famoso Baklava de Antep.

Sexta-feira é dia de “cultural night” e esta foi preparada pelos dois voluntários tunisinos. Comemos frango panado, arroz com pimentos e uma mistura de vegetais cozinhados em azeite com ovo – tudo delicioso – ao som de música tradicional e com direito a um desfile e demonstração de dança com roupas tradicionais. Acabámos por ficar na associação até à 1h00 a cantar e a conversar, e, no final, o Fatih e o Alper levaram-nos de carro a casa porque acharam que era tarde demais para irmos sozinhas, apesar de Gaziantep (também conhecida como Antep) ser uma cidade segura.

Ainda não temos Internet em casa, mais uma consequência dos atrasos e falta de organização, por isso só hoje trouxe o computador para a associação para finalmente dar início ao blog que pretende documentar esta nossa experiência.

Para já, é tudo, e não é pouco. Prometo que os próximos posts vão ser mais curtinhos. Vou postar também algumas fotos e, para acabar, mais algumas coisas de que gosto em Gaziantep:

- O facto de se estar sempre a beber chá, de toda a gente oferecer chá, dos senhores que andam com um recipiente tradicional pela rua a vender chá – Chá em geral

- A campainha das escolas, que é a “Für Elise”

- Os parques para as crianças brincarem

- Os minaretes


3 comentários:

  1. Olá Rita,
    Já tentei enviar um comentário, mas não sei se chegou. Acho muito interessante o que tu escreveste ate agora e gostava de saber mais sobre a tua experiência aí. Acho que tens uma possibilidade única de conhecer esse pais entre o ocidente e o Oriente e que e visto como exemplo pelos demais países árabes. Aproveita bem o teu tempo, diverte te e vai dizendo coisas. Bis, Pai.

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  2. Querida Rita
    É muito interessante termos contacto com culturas diferentes.
    O que contaste sobre os costumes de, por exemplo, os rapazes não puderem entrar nos apartamentos das raparigas faz-me lembrar Portugal no passado, ainda recente.
    Ainda bem que houve pessoas que lutaram pelos direitos e liberdades dos homens e mulheres.
    Espero que todas as revoluções que estão a ocorrer a oriente não só mudem os sistemas políticos mas tragam também reformas nos costumes, para haver mais liberdade e igualdade de direitos para todos.
    Espero que continues a contar como corre tudo por ai, eu estou curiosa.
    Muitos beijinhos
    Mãe

    P.S. Já tinha enviado um post mas não apareceu

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  3. Gostei muito do relato, Ri, e fico contente por estares a gostar da experiência, que tem tudo para ser bastante enriquecedora :)

    aguardo mais notícias.

    um beijinho grande *

    Jo

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