segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Oito mil anos [em construção]

Oito mil anos...

É-me quase impossível imaginar um sítio com oito mil anos de História. Mas subir à fortaleza de Harran e olhar para a paisagem plana, para as escavações arqueológicas por entre as quais as crianças brincam às cavalitas umas das outras, enquanto levam as ovelhas e os cavalos a pastar, é sentirmo-nos conectados com a História da Humanidade, e quase que consigo sentir o peso do tempo.


Do outro lado, no horizonte, a 18km de distância, conseguimos distinguir um minarete. "That's Syria", explica o nosso "guia à força", Jamal. Este é o único problema de Harran. Como qualquer lugar com importância histórica e, consequentemente, turística, os habitantes sabem aproveitar as vantagens de estar constantemente a ser importunados por turistas. Para além de pagarmos 3TL para entrar na aldeia, somos imediatamente levados por um guia ao qual devemos pagar "o que quisermos" de gorjeta, mas que, no final, exige "no mínimo 40TL", que conseguimos baixar para 30 por também sermos estudantes.


Enquanto o guia nos leva, um pouco apressadamente, a uma "beehive house", aberta especialmente para turistas, um grupo de mulheres da aldeia, vestidas com roupa tradicional (longos vestidos de veludo bordeaux e lenços lavanda com detalhes brancos na cabeça), nos levam de quarto em quarto enquanto nos tentam vender lenços e colares de todas as cores e feitios. À Clara, uma das mulheres da aldeia, comprei um lenço igual ao que ela trazia vestido. Bebemos um chá debaixo de um Sol demasiado abrasador para um dia de Fevereiro, no pátio destas casas tradicionais, construídas há 100/200 anos (mas pensa-se que o estilo de construção é o mesmo de há 3000 anos), que a população local abandonou nos últimos 30 anos.

 

Um bocado contrariado, o  nosso guia Jamal levou-nos a pé, e não de dolmuş para ver a torre, que pertenceu à primeira Universidade islâmica, utilizada para observações astronómicas durante o paganismo (em Harran era venerado o deus da Lua, Sin), ou como minarete com a chegada do islamismo. Todos os edifícios em Harran mudaram de funcionalidade e forma várias vezes durante a História, dependendo da entidade sob cujo domínio o local caía. 



Sem termos o tempo necessário para assimilar toda a importância daquela paisagem, o Jamal já tinha chamado o dolmuş que nos iria levar de volta para Şanlıurfa.

Apesar de ter começado a escrever sobre Harran, não quero retirar nenhum tipo de importância à primeira parte da nossa viagem, a visita a Şanlıurfa (também conhecida como Urfa).

Ao chegar à estação de camionetas de Urfa, é difícil imaginar que aquela mesma cidade, cujos arredores estão cobertos de enormes prédios, sem qualquer cuidado urbanístico, é a mesma que alberga a gruta onde se supõe ter nascido Abrãao, que foi palco de Cruzadas, a mesma das piscinas dos peixes sagrados (Balıklıgöl) e do jardim de rosas.


Urfa é um local de peregrinação, o que é óbvio à chegada ao centro antigo da cidade. À volta do Balıklıgöl, famílias tiram fotografias en frente do cenário sagrado, que provavelmente seria de profunda serenidade, não fosse a quantidade de pessoas a dar de comer aos peixes sagrados. O mesmo acontece ao visitar a caverna de Abrãao, com mulheres a entrar e sair incessantemente (só pude entrar na parte reservada às mulheres, e não pude entrar na mesquita construída ao lado), não sei como as pessoas conseguem concentrar-se nas suas rezas.


Mas encontramos essa serenidade se subirmos às muralhas do castelo e, daquele lugar, que, naquele momento, nos parece o topo do mundo, ao som do Adhān (chamamento à oração), observarmos a cidade, tão cheia de História, espiritualidade e contrastes arquitectónicos, com mesquitas imponentes, edificios tradicionais, prédios modernos e "slums" a cobrir as colinas da cidade.





Urfa é diferente de Gaziantep em muitos sentidos, principalmente a nível social. Ao passear na cidade, fora dos locais turísticos, vemos poucas mulheres, a grande maioria das quais vestidas de forma conservadora. Perto das atracções turísticas, somos interpelados por crianças, muitas de pés descalços, algumas com uma caixa de madeira ao ombro com um kit para engraxar sapatos ou com uma balança para os visitantes se pesarem em troca de umas moedas.
Depois de nos termos perdido nas ruas do bazar, onde se pode encontrar desde sapatos de marca falsificados a peles ou lenços tradicionais, perdemo-nos também à procura de um hotel para ficar aquela noite. E acabámos por ter de pedir direcções a um polícia, à volta do qual se juntaram cerca de dez homens, todos ao telemóvel a tentar descobrir o hotel cujo nome tínhamos apontado. Até que, quando já estávamos a caminho de um hotel, três professores de inglês, aparentemente vindos do nada, se juntarem a nós e, depois de terem dado um cartão de visita ao polícia, que se queria certificar que estávamos em boas mãos, nos levaram até um hotel muito confortável e central, onde pagámos 25 TL cada um, e se ofereceram para nos ajudar a qualquer hora, "even if it's 4 o'clock in the morning, call us and we will come".



Isto acontece muito aqui na Turquia: se perguntarmos direcções para um local, o mais provável é sermos levados até lá, se virem que somos estrangeiros, querem falar connosco, praticar o inglês, ajudar no que for preciso. Se não fosse esta maneira de conviver, seria certamente muito mais difícil para um estrangeiro se conseguir desenrascar.

E não poderia finalizar este relato sem descrever a experiência do caminho até Urfa, que decidimos fazer de dolmuş, em vez de camioneta. O dolmuş é um mini bus com cerca de 15 lugares fıxos, mais uns bancos de madeira ou plástico que são postos onde houver espaço, e onde também há lugar para viajar em pé, que pára constantemente, tal como um autocarro dentro de uma cidade, incluindo inúmeras paragens não assinaladas no meio do deserto (literalmente). A viagem de dolmuş, apesar de meira hora mais longa do que de camioneta, vale a pena, não pelo preço (pagámos 12TL em vez dos 15TL que pagaríamos de camioneta) mas pela experiência de viajar ao som da música tradicional, parar em todas as localidades, aldeias e cidades e viajar com os seus habitantes.



Chegámos a casa, eu, o Zé, a Ágata e a Elisabeth (a Tuğba foi ao casamento de um familiar em Batman) e seguimos para a associação, para o jantar de despedida da Narjesse, a voluntária turca, e já começámos a planear a viagem para o próximo fım-de-semana.




[as fotos fıcam para depois]

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